Aberto às segundas

Com os cotovelos sobre a mesa e a cabeça entre as mãos, meu cigarro queimando no cinzeiro enquanto, ao fundo, uma voz feminina aguda, canta o desamor e a desilusão por alguém que foi embora. Ao redor, mesas com cadeiras em cima. Trilha perfeita para fechar minha noite.
Lá do fundo vem o Brás, põe a mão no meu ombro e com a voz rouca, sua marca registrada, avisa que estão fechando, mas, para isso, preciso pagar minha conta e sair. Hoje ele é dono, mas trabalha ali desde a primeira vez em que me lembro de colocar meu pés naquele lugar, ainda criança, na companhia do meu pai. O velho dizia que gostava dali porque o preço era justo e era o único na região que abrir às segundas. “O portuga fecha às quartas pra ir na novena” ele dizia em tom divertido.
Viro num gole só o conhaque do copo. Levanto e, trôpego, vou até o caixa. Pago minha conta, peço mais um maço de cigarros, não tem. Caminho até a porta, onde o garçom me espera passar para baixar a porta.
Caminho até o outro lado da rua, sento no meio fio enquanto tiro do bolso a carteira amassada e dela o último cigarro. Enquanto acendo, observo as portas do bar serem fechadas e as luzes apagadas. Entre uma tragada e outra, em meio a soluços, remoo o dia que passou. Tinha tudo para ser uma segunda-feira normal, mas acabou em gritaria, acusações e uma caneca contra a parede.
O carro do aplicativo chega. Hora de voltar para casa. A noite ainda não acabou.
Chego e vejo um travesseiro e um cobertor sobre o sofá. Entendi o recado.Vou até o banheiro, troco de roupa, me deito e apago. Sou despertado aos safanões.
Abro os olhos e é minha esposa, com cara de poucos amigos e o telefone na mão esquerda.
- É do escritório. Já é terceira ou quarta vez que estão ligando.
Agradeço a ela e recebo um suspiro profundo como resposta.
- Sabia que mudariam de ideia.
Atendo e recebo um gancho na boca do estômago ainda vazio e revirado pela ressaca.
- Pode por favor passar na empresa para retirar seus pertences e agendar a data de rescisão?
- Estarei aí após o almoço.
Ela desliga e eu sento no sofá. Se soubesse como tudo isso terminaria, teria apenas concordado com as mudanças.

Junior Gros

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