Estuque
Abro os olhos e volto meu olhar para o relógio. Dez horas. Se tem uma coisa que não me faz falta dos tempos do departamento, é acordar cedo. Meu avô sempre dizia que acordava cedo porque havia se acostumado ao longo da vida. Isso nunca funcionou pra mim.
Levanto e tomo meu café enquanto leio as notícias da manhã. As mesmas coisas de ontem, anteontem e da semana passada. Tenho a impressão de que desde que eu limpei minha mesa e o meu armário e vim para casa, minha vida parece ter se transformado em um círculo vicioso. Pensando bem, começou antes. Os meus últimos meses de trabalho pareceram o “O feitiço do tempo”. Dias e mais dias da mesma coisa repetida à exaustão. Acho que pra mim deu.
Sento diante do computador e escrevo para Priscila. É engraçado que mesmo sem termos passado tanto tempo casados, ela ainda é a pessoa em quem mais confio. Termino de escrever, imprimo, enfio as folhas em um envelope e ligo para ela.
Chego à padaria e sento na mesa de sempre. Faço um sinal e logo o garçom traz o café puro e forte de sempre. Ela chega, senta, pede um cappuccino, me olha com aqueles olhos grandes e faiscantes e pergunta:
- Como você está?
- Entediado, mas bem. E você?
- Bem. Correndo com o livro, mas bem. O que você tem de tão urgente para me dizer que poderia esperar até amanhã?
- Tava com saudade e preciso de um favor seu.
- Tá, de quanto você precisa?
- Não não é dinheiro. Não dessa vez.
- O que é então?
- Eu tomei uma decisão e vou me ausentar por um tempo. Por isso, aqui nesse envelope tem instruções de algumas providências que eu preciso que você tome.
- Deixe-me ver…
- Não abra agora. Faça isso quando chegar em casa.
- Tá bom. Sigo sem te entender.
Tomamos nossos cafés em silêncio. Eu pago a conta e nos despedimos. Ela ainda usa o mesmo perfume. Talvez eu ainda a ame.
Ela beija meu rosto, entra no carro, dá a partida e vai embora. Fico olhando o carro descer a rua. Coloco minhas mãos no bolso e caminho até em casa.
Pego as coisas que deixei sobre a mesa e entro no quarto. Chegou a hora.
Me posiciono, fecho os olhos, respiro fundo e dou um passo à frente. Um estalo.
Acordo com a vibração e o toque insistente do telemóvel no bolso. Abro os olhos e vejo o chão à minha volta repleto de pedaços de gesso e poeira. Olho a tela, é Priscila. Suspiro e atendo.
- Oi.
- Graças a Deus você desistiu. Ela responde entre lágrimas.
- Eu não…
- Pare. Não quero saber. Tô indo praí e, seja qual for a merda em que você se meteu, vamos resolver juntos.
Ela desliga, eu suspiro. Maldito lustre velho. Maldito teto de gesso. Sabia que deveria ter escolhido uma árvore.
Junior Gros
Levanto e tomo meu café enquanto leio as notícias da manhã. As mesmas coisas de ontem, anteontem e da semana passada. Tenho a impressão de que desde que eu limpei minha mesa e o meu armário e vim para casa, minha vida parece ter se transformado em um círculo vicioso. Pensando bem, começou antes. Os meus últimos meses de trabalho pareceram o “O feitiço do tempo”. Dias e mais dias da mesma coisa repetida à exaustão. Acho que pra mim deu.
Sento diante do computador e escrevo para Priscila. É engraçado que mesmo sem termos passado tanto tempo casados, ela ainda é a pessoa em quem mais confio. Termino de escrever, imprimo, enfio as folhas em um envelope e ligo para ela.
Chego à padaria e sento na mesa de sempre. Faço um sinal e logo o garçom traz o café puro e forte de sempre. Ela chega, senta, pede um cappuccino, me olha com aqueles olhos grandes e faiscantes e pergunta:
- Como você está?
- Entediado, mas bem. E você?
- Bem. Correndo com o livro, mas bem. O que você tem de tão urgente para me dizer que poderia esperar até amanhã?
- Tava com saudade e preciso de um favor seu.
- Tá, de quanto você precisa?
- Não não é dinheiro. Não dessa vez.
- O que é então?
- Eu tomei uma decisão e vou me ausentar por um tempo. Por isso, aqui nesse envelope tem instruções de algumas providências que eu preciso que você tome.
- Deixe-me ver…
- Não abra agora. Faça isso quando chegar em casa.
- Tá bom. Sigo sem te entender.
Tomamos nossos cafés em silêncio. Eu pago a conta e nos despedimos. Ela ainda usa o mesmo perfume. Talvez eu ainda a ame.
Ela beija meu rosto, entra no carro, dá a partida e vai embora. Fico olhando o carro descer a rua. Coloco minhas mãos no bolso e caminho até em casa.
Pego as coisas que deixei sobre a mesa e entro no quarto. Chegou a hora.
Me posiciono, fecho os olhos, respiro fundo e dou um passo à frente. Um estalo.
Acordo com a vibração e o toque insistente do telemóvel no bolso. Abro os olhos e vejo o chão à minha volta repleto de pedaços de gesso e poeira. Olho a tela, é Priscila. Suspiro e atendo.
- Oi.
- Graças a Deus você desistiu. Ela responde entre lágrimas.
- Eu não…
- Pare. Não quero saber. Tô indo praí e, seja qual for a merda em que você se meteu, vamos resolver juntos.
Ela desliga, eu suspiro. Maldito lustre velho. Maldito teto de gesso. Sabia que deveria ter escolhido uma árvore.
Junior Gros
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