Apesar de tudo, era feliz aos sábados
Correria, jogo pegado, bola pela esquerda, o lateral tenta o cruzamento e a defesa corta pela linha de fundo. Um, dois passos, uma batida seca e a bola cruza o ar em direção ao centro da área. Antes de chegar ao seu destino, alguém sobe e, com um movimento rápido e firme desvia sua trajetória, colocando-a no ângulo esquerdo da meta do goleiro que nada pode fazer a não ser olhar. Foi um dos gols mais bonitos que eu já fiz e uns dos poucos marcados de cabeça. Eu teria comemorado, se o gol não tivesse sido contra.
O gol contra é como um palavrão dito em voz alta no meio de uma missa.
Esse lance aconteceu em um sábado qualquer há quase duas décadas, mas não foi a única passagem inglória na minha trajetória no futebol. Não, as desventuras começaram muito antes, curiosamente num sábado.
Eu não tinha mais do que seis ou sete anos e meu pai chegou e disse a meu irmão e a mim que a empresa em que ele trabalhava na época estava criando uma escolinha de futebol para os filhos dos empregados e perguntou se gostaríamos de participar. Aceitamos na hora.
No sábado seguinte, bem cedo, lá fomos meu pai, meu irmão e eu para a primeira aula na escolinha de futebol. Lembro que o treinador chegou e começou a distribuir os garotos pelo campo e, lá pelas tantas, chegou pra mim e disse "você vai jogar de zagueiro". Como não tinha muita noção ou opção, concordei. Até hoje não descobri o motivo da escolha. Receio que tenha sido pelo fato de que, naquela época, eu só tinha cabeça e cabelo e era bem desajeitado. Enfim, como isso aconteceu há quase trinta anos, não lembro bem como foi meu desempenho, mas não deve ter sido dos melhores, já que apenas meu irmão foi chamado para aulas nos sábados seguintes.
Voltando ao lance do fogo amigo. Os minutos seguintes ao lance foram uma mistura de piadas e palavrões. Um dos meus melhores amigos me disse "Que golaço, pena que foi pro outro time". O goleiro, maior ultrajado com o lance, me fulminou com um olhar para depois desfilar uma lista respeitável de palavrões. Um outro colega chegou e disse "falta pouco pro jogo acabar, fica de castigo aí no gol". Não sei se era bem um castigo, jogar no gol nunca me incomodou, o que não significa que eu jogasse bem. Mas isso é uma outra história.
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