Tá em falta

Sofia seguia sua rotina diária, tomava seu café enquanto lia as notícias na tela do computador. Pulava de página em página até que o título de uma matéria chamou sua atenção: "Homem vende amor pelas ruas da capital". Nunca fora muito romântica, mas o título fez com clicasse no link, tratava-se de uma crônica. Leu-a toda. Falava da figura de um sujeito que escrevia cartas de amor a preços simpáticos. Riu daquela história, terminou seu café e saiu para trabalhar. 
Durante todo aquele dia a história do homem que vendia amor povoou seus pensamentos. Ao fim do expediente, movida pela curiosidade, rumou para o centro da cidade, tinha que ver com seus próprios olhos. 
Parou em frente ao carrinho de pipoca, pediu uma doce com coco e perguntou ao pipoqueiro onde ficava o homem que vendia amor. O moço, após receber pela pipoca, a instruiu que andasse até o fim da quadra, atravessasse a rua, lá encontraria o mercado das flores. O homem que ela procurava estaria logo adiante. Seguiu as instruções que recebeu e logo após a última banca avistou um guarda-sol, sob o qual se encontrava um homem, o homem que procurava. Andou até o guarda-sol e estacou diante da mesa, sobre a qual repousava uma  máquina de escrever portátil verde e uma e uma pilha de folhas em branco e tinha atrás de si um sujeito de não mais que trinta e cinco anos que pareceu não notar sua presença enquanto batia `a máquina. Diante da distração do sujeito resolveu interrompê-lo. 
_ Boa tarde. 
_ Boa tarde, moça.  
_ É você o homem que vende amor?  
_ É o que dizem.  
_ Mas você vende? 
_ Escrevo cartas.  
_ De amor?  
_ Também. Dentre outras coisas. 
_ Como assim? 
 O homem apontou com o dedo para uma tabela fixada na parte frontal da mesa. Na qual havia uma serie de opções como declaração, pedido de desculpas, rompimento, saudade, entre outras. _ Qual a moça vai querer?  
_ Nenhuma. 
_ Então por que veio até aqui? A moça é repórter?  
_ Não, sou bancaria. Vim aqui porque não acreditei quando me disseram que havia na cidade um homem que vende amor. 
 _ Por que não acreditou? 
_ Para mim esse papo de amor é pura conversa pra boi dormir, jogada marketing. 
_ Também acho. 
_ Então você não acredita no amor? 
_ Não. 
_ Como pode vender algo que não acredita?  
_ Eu não vendo nada, apenas escrevo cartas. As pessoas vem até mim querendo conquistar outras pessoas. Pedir desculpas ou até mesmo dizer que odeiam. Eu simplesmente coloco isso tudo no papel.  
_ Mas a placa diz que você vende amor.  
_ Isso é só para atrair o povo. 
_ É um tanto desonesto, não é?  
_ Não. Simplesmente ajudo pessoas a dizer o que sentem mas não conseguem. 
_ Ninguém nunca chegou aqui querendo comprar amor? 
_ Sim, acontece o tempo todo. 
_ O que você diz? 
_ Digo que está em falta.  
_ Escuta, moça. Se não quer uma carta, pode me dar licença que eu tenho uma porção delas para terminar?  
_ Fique à vontade. Já consegui o que queria.  
_ Atrapalhar meu trabalho?  
_ Não. Provar que esse papo de amor é conversa fiada para vender perfumes e diárias de motel no mês de junho. 
 Sofia virou as costas e saiu, deixando para trás o vendedor de amor. No dia seguinte, voltou ao lugar onde ficava o homem das cartas, não encontrou ninguém. Perguntou a uma das vendedoras do mercado de flores onde estava o vendedor, ela lhe entregou um bilhete escrito à mão que dizia: "Moça, você tinha razão, sou um farsante. De hoje em diante, me dedicarei a mudar a vida das pessoas. Atenciosamente, Anselmo." Dois anos se passaram e Sofia jamais ouviu falar de Anselmo novamente, até noite passada. Quando, insone, ligou a tevê e ao zapear as os canais, deparou-se com a figura do ex-vendedor de amor em um daqueles programas de entrevistas que são exibidos nas madrugadas. Falava sobre o livro que acabara de lançar, um autoajuda chamado "O amor da minha vida sou eu".

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