No meio do caminho tinha uma pedra

O ano era 1992, em uma tarde qualquer, meus pais faziam uma arrumação. Dentre as muitas caixas espalhadas pela casa, uma me chamou a atenção. Estava cheia de velhos e empoeirados discos de vinil. Eram os anos das fitas k-7, portanto, os discos de vinil eram então tidos como ultrapassados. Revirando a tal caixa, encontrei de discos de trilhas de novelas a Roberto Carlos. Encontrei inclusive, um disco com uma dedicatória escrita pelo meu pai, endereçada à minha mãe. Entre uma esquisitice e outra, um em especial chamou minha atenção, era um álbum duplo, que trazia na capa apenas uma ilustração e o nome do artista, um tal de Jimi Hendrix.
Perguntei aos meus pais que disco era aquele e por que jamais havia ouvido ele tocando em nossa casa. Meu pai, prontamente respondeu que havia ganhado o tal disco de um amigo seu, que trabalhava em uma rádio. Disse também que o tal Hendrix era um músico fabuloso, capaz de tirar sons da guitarra usando a boca. Minha mãe, por sua vez, tomou para si a tarefa de explicar o motivo pelo qual o tal disco jamais havia sido tocado em nossa casa. Segundo ela, o tal disco tratava-se de uma “tremenda dor de barriga” e, se dependesse dela, já teria ido para o lixo.
Passado um tempo, estava sozinho em casa ouvindo rádio e, entediado com a programação, resolvi procurar algo diferente pra ouvir. Comecei a revirar as opções musicais disponíveis em casa e lá estava ele, o disco do tal guitarrista, perdido entre tantos bolachões. Escolhi aleatoriamente um dos dois discos na capa, coloquei no aparelho e escolhi a canção. Lembro-me do nome até hoje, “Sunshine of your love”. Foi só a agulha alcançar a superfície do disco começar e a música começar a tocar, para eu me sentir como se tivesse sido atingido por um raio. Foi como se aquilo abrisse em mim um novo canal sensorial. Não sei como, nem por que, mas daquele dia em diante, não fui mais o mesmo. O dia em que descobri o tão falado Rock n' Roll.
Os anos passaram e, guiado pela minha curiosidade, passei a pesquisar coisas diferentes. Bandas, sonoridades, estilos. Sempre enveredando para as coisas mais pesadas e mais rápidas.
Aos quinze anos, ganhei do meu pai meu primeiro violão. Aos 16, comprei minha primeira (e única) guitarra. Embora muitos dos grandes mestres sejam autodidatas, não era meu caso, procurei então alguém para me ensinar a tocar. O fato de ser canhoto e ter invertido a posição das cordas da guitarra, fez com que alguém sempre falasse do Hendrix ao me ver tocando. Devo dizer que, exceto pela canhotice, nada havia em comum entre o rei das seis cordas e eu. Aprendido o beabá da coisa, montei minha primeira banda, que durou apenas um ensaio. 
Anos depois, veio a segunda banda. Com a qual fiz minhas primeiras apresentações, organizei e toquei em festivais e fiz minhas primeiras viagens para tocar fora do meu quintal. No meio disso tudo, a falta de coordenação motora e, por que não dizer de talento, me levaram a deixar a guitarra de lado e voltar minhas forças somente ao vocal, função que exerci até o último ensaio.
Entre idas e vindas, foram quase dez anos vivendo a experiência de tocar em uma banda. Período que me proporcionou conhecer gente nova, lugares novos. Descobrir do que era realmente capaz. Foi talvez o período em que vivi de forma mais intensa até hoje.
Nada disso teria acontecido se não tivesse colocado aquele disco velho e empoeirado para tocar. Talvez, hoje em dia, compartilhasse do mesmo gosto musical do resto da minha família. Talvez meu armário apresentasse uma variedade maior de cores. Talvez. Talvez. Talvez.
Por uma obra do acaso, o Rock entrou na minha vida. Tenho uma amiga que diz que acasos não existem. Se isso for mesmo verdade, o destino fez com que eu escolhesse o rock, ou será que foi ele quem me escolheu? Não sei. Creio que nunca saberei. O que sei é que agradeço ao meu pai por não ter se livrado do vinil antes de eu poder conhecê-lo.
Quanto ao disco, guardo até hoje. Um deles ao menos. O outro, assim como a capa, não resistiu à ação do tempo e ficou pelo caminho. Mesmo não tendo equipamento para ouvi-lo, guardo com carinho. É a relíquia dessa minha história de amor à musica, ao estilo de vida, que une pessoas há décadas e continuará unindo. Pois, o que bom não tem prazo de validade.

Junior Gros.

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